DOENÇA CELÍACA: Sintomas, Diagnóstico e Tratamento

By | 29/04/2020

Em artigo anterior, conversamos sobre a importância de a pessoa que tem intolerância ao glúten (leia ALIMENTOS SEM GLÚTEN (Gluten Free) Exclusivamente?) e, neste artigo conversaremos sobre o diagnóstico e tratamento da doença celíaca.

A doença celíaca e o glúten

A doença celíaca, por ser causada pelo glúten, também é conhecida como enteropatia glúten-induzida ou glúten-sensível e é caracterizada pelo dano difuso na mucosa do intestino delgado proximal, que resulta em má absorção da maioria dos nutrientes.

DoenÇa celÍaca: sintomas, diagnóstico e tratamento

O glúten é uma proteína que está presente em certos grãos, tais como trigo, centeio e cevada, mas não no arroz ou milho. A aveia contém glúten por “contaminação cruzada”, seja com o trigo, com a cevada ou o centeio.

O mecanismo de dano é desconhecido. Provavelmente, numa pessoa geneticamente predisposta, o glúten estimula uma resposta auto-imune mediada por células T na submucosa intestinal que resulta em destruição dos enterócitos da mucosa.

Um dos alvos desta resposta auto-imune é a transglutaminase tissular (tTG), uma enzima que modifica um componente do glúten (gliadina) para uma forma que estimula as células T mais fortemente.

Surgimento dos sintomas

Os sintomas típicos geralmente se manifestam entre 6 e 24 meses de idade, com a apresentação de novos alimentos ao bebê. Até metade dos casos apresentam sintomas atípicos na infância ou na idade adulta.

A doença está presente nas pessoas geneticamente predispostas de ascendência européia e é rara em africanos e asiáticos. A maioria dos casos não é diagnosticada.

A mudança de hábito alimentar com alimentos sem glúten resulta na resolução dos sintomas e cura intestinal na maioria dos pacientes.

Sinais e sintomas da doença celíaca

Os sinais e sintomas da doença celíaca dependem do comprimento comprometido do intestino delgado e da idade em que o paciente apresenta a alteração.

Crianças menores de 2 anos são mais propensas a apresentar sintomas típicos de má absorção, incluindo diarreia, perda de peso, distensão abdominal, fraqueza, perda de massa muscular, ou retardo do crescimento.

As fezes são caracteristicamente amolecidas, volumosas, flutuantes, oleosas ou gordurosas, e mal cheirosas. Também podem ser líquidas e em evacuações de frequência elevada (até 10-12 vezes ao dia).

Crianças maiores e adultos são menos propensos a manifestar sinais de má absorção grave. Eles podem relatar diarréia crônica, dispepsia e flatulência devido à colonização bacteriana por digestão de nutrientes mal absorvidos. A gravidade da perda de peso é variável.

Muitos adultos têm pouco ou nenhum sintoma gastrointestinal, mas podem apresentar fadiga, baixa estatura, amenorréia ou redução da fertilidade, osteoporose, hipoplasia do esmalte dentário e anemia.

É muito comum a pessoa que tem doença celíaca desenvolver intolerância à lactose devido às alterações causadas na parede do intestino, onde é produzida a lactase, uma enzima que faz o leite ser digerido para ser absorvido.

Para saber mais sobre intolerância à lactose, leia o artigo INTOLERÂNCIA À LACTOSE: a Deficiência de Lactase.

O exame físico

O exame físico pode ser normal em casos leves ou pode revelar sinais de má absorção, como a perda de massa muscular ou de gordura subcutânea, palidez devido à anemia, facilidade de sangramento devido à deficiência de vitamina K, hiperqueratose devido à deficiência de vitamina A, dor óssea devido à osteomalácia, ou sinais neurológicos (neuropatia periférica, ataxia), devido à deficiência de vitamina B12 ou vitamina E. O abdome pode estar distendido com ruídos intestinais hiperativos.

A dermatite herpetiforme

Dermatite herpetiforme é considerada como uma variante cutânea da doença celíaca.

É uma erupção cutânea característica que consiste em pápulo-vesículas pruriginosas sobre as superfícies extensoras das extremidades e no tronco, couro cabeludo e pescoço. Dermatite herpetiforme ocorre em menos de 10% dos pacientes com doença celíaca, no entanto, quase todos pacientes que se apresentam com dermatite herpetiforme têm evidência de doença celíaca em biópsia da mucosa intestinal que pode não ser clinicamente evidente.

Exames complementares

Laboratoriais

Anormalidades Laboratoriais dependem do grau de envolvimento intestinal. Hemograma completo, dosagens de ferro sérico ou ferritina, ácido fólico, vitamina B12, cálcio no soro, fosfatase alcalina, albumina, beta-caroteno, e tempo de protrombina devem ser obtidos em todos os pacientes com suspeita de má absorção.

Envolvimento proximal limitado pode resultar em anemia microcítica e hipocrômica somente devido à deficiência de ferro. Mais de 10% de adultos com deficiência de ferro não devido à perda de sangue gastrointestinal podem ter doença celíaca não diagnosticada. Envolvimento mais amplo resulta em anemia megaloblástica devido à deficiência de ácido fólico ou vitamina B12.

Baixo cálcio sérico ou fosfatase alcalina elevada pode refletir absorção deficiente de cálcio ou vitamina D com osteoporose ou osteomalácia. A densitometria óssea pode ser recomendada para os pacientes com doença celíaca para investigar osteoporose.

Elevações do tempo de protrombina ou diminuição sérica de beta-caroteno reflete absorção prejudicada de vitaminas lipossolúveis.

Diarreia grave pode provocar acidose metabólica e hipocalemia. A esteatorréia (gordura nas fezes) geralmente está presente, mas pode estar ausente na doença leve.

Anticorpos

Alguns testes sorológicos podem ser utilizados para auxiliar o diagnóstico da doença celíaca e para monitorar a adesão do paciente à dieta com alimentos sem glúten exclusivamente.

Anticorpos antigliadina IgG e IgA estão presentes em mais de 90% dos pacientes com doença celíaca, mas são elevados também em outras doenças das mucosas. O anticorpo IgG é mais sensível, e o anticorpo IgA é mais específico. Porque até 10% de pacientes com doença celíaca têm deficiência de IgA, ambos os testes devem ser realizados.

Uma combinação dos dois testes proporciona sensibilidade e especificidade superior a 95%.

Anticorpos IgA antiendomísio e testes de anticorpos anti-tTG IgA tem mais de 95% de sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de doença celíaca e tornaram-se os testes sorológicos preferenciais para a triagem de doença celíaca em muitos centros.

O teste para IgG antigliadina ainda é necessário para o subconjunto de pacientes com deficiência de IgA.

Os níveis de anticorpos IgA antigliadina, antiendomísio, e anti-tTG tornam-se indetectáveis após 6-12 meses de dieta sem glúten e pode ser usado para controlar o cumprimento da dieta, especialmente em pacientes que não melhoram depois da mudança para uma dieta sem glúten.

Biópsia da mucosa intestinal

DoenÇa celÍaca: sintomas, diagnóstico e tratamento

Biópsia, por endoscopia, da mucosa do duodeno distal ou jejuno proximal é o método padrão para a confirmação do diagnóstico em pacientes com sorologia positiva para a doença celíaca.

Deve ser avaliada a possibilidade de proceder à biópsia da mucosa em pacientes com sorologia negativa, quando os sintomas são sugestivos de doença celíaca.

Biópsia da mucosa duodenal também deve ser realizada em pacientes com anemia por deficiência de ferro com endoscopia digestiva alta e colonoscopia negativas para perda de sangue gastrointestinal como causa, 5-10% podem ter doença celíaca.

Na endoscopia, são consideradas alterações típicas a presença de pregas serrilhadas, mucosa nodular ou padrão mosaico e redução ou ausência de pregas duodenais.

A histologia revela perda ou embotamento das vilosidades intestinais, hipertrofia das criptas intestinais, e extensa infiltração da lâmina própria por linfócitos e células plasmáticas.

A biópsia normal exclui o diagnóstico.

Diagnóstico diferencial da doença celíaca

Por causa de suas manifestações variadas, a doença celíaca é subdiagnosticada na população adulta. Muitos pacientes com diarréia crônica ou flatulência são erroneamente diagnosticados como tendo síndrome do intestino irritável, por exemplo.

Os sintomas estão presentes há mais de 10 anos na maioria dos pacientes antes que o diagnóstico correto seja estabelecido.

Doença celíaca causa má absorção de nutrientes e deve ser distinguida de outras causas de má absorção. Má absorção grave de vários nutrientes é quase sempre causada por doença da mucosa.

Anormalidades no exame microscópico

A aparência histológica, ou seja: as anormalidades no exame microscópico, da doença celíaca pode assemelhar-se a outras doenças da mucosa tais como espru tropical, crescimento bacteriano, intolerância à lactose, gastroenterite viral, gastroenterite eosinofílica, e os danos na mucosa causados por hipersecreção ácida relacionada com gastrinomas.

Resposta clínica à retirada do glúten da alimentação é diagnóstico.A reversão destas anormalidades na repetição da biópsia de um paciente que realizou dieta isenta de glúten estabelece o diagnóstico.

No entanto, se um paciente com biópsia compatível demonstra melhora imediata em uma dieta livre de glúten e uma diminuição dos anticorpos antigliadina, uma repetição da biópsia é desnecessária.

DoenÇa celÍaca: sintomas, diagnóstico e tratamento

Tratamento da doença celíaca

A retirada do glúten da dieta é essencial. Arroz, soja, batata, milho e farinhas são seguros.

A maioria dos pacientes com doença celíaca também tem intolerância à lactose temporária ou permanentemente, e deve evitar os produtos lácteos até que os sintomas intestinais melhorem com a dieta isenta de glúten.

Os suplementos dietéticos (folato, ferro, cálcio e vitaminas A, B12, D, e E) devem ser fornecidos nas fases iniciais do tratamento, mas geralmente não são necessários a longo prazo com uma dieta isenta de glúten. Pacientes com osteoporose confirmada podem requerer reposição crônica de cálcio, vitamina D, e tratamento com bifosfonatos.

A melhora dos sintomas deve ser evidente dentro de algumas semanas na dieta isenta de glúten. A razão mais comum para o insucesso do tratamento é a remoção incompleta do glúten.

Prognóstico e complicações da doença celíaca

Se diagnosticados e tratados de forma adequada, os pacientes com doença celíaca têm um prognóstico excelente.

A doença celíaca pode estar associada com outras doenças auto-imunes, incluindo a doença de Addison, doença de Graves, diabetes mellitus tipo I, miastenia gravis, esclerose sistêmica, síndrome de Sjogren, gastrite atrófica, e insuficiência pancreática.

Em alguns pacientes, a doença celíaca pode evoluir e tornar-se refratário à dieta isenta de glúten. A causa mais comum é o não abandono intencional ou não do glúten, que pode ser sugerido por testes sorológicos positivos.

A doença celíaca, que é verdadeiramente refratária à retirada do glúten, geralmente carrega um prognóstico pobre. Ela pode ser causada pelo desenvolvimento de jejunite ulcerativa ou enteropatia ou por linfoma associado a célula T, que ocorre em até 10% dos pacientes.

Estas condições devem ser consideradas em doentes anteriormente responsivos à dieta sem glúten que desenvolvem nova perda de peso, dor abdominal e má absorção. Muitos outros pacientes com sintomas refratários tem um linfoma “críptico” intestinal, isto é, uma expansão intra-epitelial monoclonal do linfócito T que pode ou não progredir.

Pacientes com doença celíaca refratária que não tem linfoma de células T intestinal ou jejunite ulcerativa pode responder aos corticosteróides ou imunossupressão com azatioprina ou ciclosporina.

Referência